Perguntei um dia ao neurologista Oliver Sacks o que é, a seu ver, um homem normal. Pergunta ociosa, sem grande importância. Mas Oliver Sacks, na sua qualidade de neurologista, tinha um ponto de vista. Hesitou, e depois respondeu-me que um homem normal será talvez aquele que é capaz de contar a sua própria história. Sabe de onde vem (tem uma origem, um passado, uma memória em ordem), sabe onde está (a sua identidade) e crê saber para onde vai (tem projectos e a morte no fim).
Situa-se, portanto, no movimento de uma narrativa, é uma história, pode dizer-se.
Se esta relação indivíduo-história se rompe por qualquer razão fisiológica ou mental, quebra-se o relato, perde-se a história, a pessoa é projectada para fora do curso do tempo. Já não sabe nada, nem quem é nem o que deve fazer. Agarra-se a algumas semanas de existência. Ao olhar do médico, o indivíduo surge então à deriva. Se bem que os seus mecanismos corporais funcionem, perdeu-se no caminho, já não existe.
O que se diz do indivíduo poderá também dizer-se de uma sociedade? Há quem pense que sim. Deixarem de poder contar-se, identificar-se, colocar-se normalmente no correr do tempo poderia levar povos inteiros a apagar-se, separados uns dos outros e sobretudo de si próprios por falta de uma memória constantemente reavivada.
É o que se passa hoje com os povos africanos, sul-americanos. Correm risco de silêncio. Expostos à censura número um, que é comercial, e que avança sob o estandarte da «livre concorrência» (a Califórnia e o Mali tem a liberdade de rivalizar, por exemplo, no domínio da produção televisiva: o que significa isso verdadeiramente? Não será uma vez mais a liberdade da raposa na liberdade do galinheiro?), numerosos são os contadores já amordaçados. Purificação estética e étnica sempre foram irmãs gémeas. Vem hoje juntar-se-lhes o pretenso liberalismo que chega para muito simplesmente dizer: calem-se.
Para acrescentar, na mesma frase: ouçam-nos.
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