quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Parto com dor

Entro no “Tomarense” e sento-me a ler. Em frente a mim, uma senhora folheia a Visão. Chama-me a atenção uma citação de António Lobo Antunes, na capa da revista. “Tinha a morte dentro de mim. E é horrível estar grávido da morte”. Fico a pensar um pouco naquelas duas frases e retomo a leitura do livro que trago na mão. Em menos de dois minutos, na página 84:
«O pai abanou a cabeça.
“Não, filho. Não compreendes.” Meteu finalmente a colher à boca. “Vivemos a vida como se ela fosse eterna, como se a morte fosse algo que só acontece aos outros e apenas nos está reservada ao fim de muito tempo, tanto tempo que nem merece a pena pensarmos nisso. Para nós, a morte não passa de uma abstracção. No entanto, eu preocupo-me com as minhas aulas e as minhas pesquisas, a tua mãe preocupa-se com a igreja e com as pessoas que vê a sofrerem no noticiário ou na novela, tu preocupas-te com o teu salário e com a mulher que já não tens e com papiros e estelas e outras relíquias cheias de irrelevâncias.” Olhou, pela janela da cozinha, para os clientes de uma esplanada, lá em baixo, na Praça do Comércio. “Sabes, as pessoas passam pela vida como sonâmbulas, preocupam-se com o que não é importante, querem ter dinheiro e notoriedade, invejam os outros e esmifram-se por coisas que não valem a pena. Levam vidas sem sentido. Limitam-se a dormir, a comer, a inventar problemas que as mantenham ocupadas. Privilegiam o acessório e esquecem o essencial.” »
Volto a olhar para a capa da revista em frente a mim e depois para as pessoas que enchem a carruagem.
Todos estamos grávidos da morte e aqui o aborto não se discute. O parto, esse será sempre com dor. Esta é uma realidade tão dura, que só em momentos de grande introspecção a conseguimos abordar. Desenvolvemos instintivamente mecanismos para a encostar lá bem no fundo do cérebro, já quase dentro do inconsciente, e assim andamos alegremente pelo nosso dia-a-dia.
Felizmente, Lobo Antunes teve apenas umas contracções e o que eu lhe desejo, é que as próximas sejam só daqui por muitos anos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Epá o que vale é que eu raramente tenho tempo para ver telenovelas, mas a vida é como cada um a faz. Acho que todos desejamos mais do que aquilo que temos, mas para tal temos que fazer por isso, o problema é que quando começamos a fazer alguma coisa parece que numca vamos ter tempo para a concluir e mais vale a pena desistir. No entanto quando consegues fazer deixas de pensar que a morte está aqui tao perto, a vida, essa é que está aqui mesmo perto e é nessa que temos que pensar e aproveitar todo o tempo para tentar fazer aquilo de que gostamos. Deixa-te de histórias e começa a pensar no que podes fazer com ou sem as pessoas que estão à tua volta. Só tens a morte na barriga quando já és velho e não andar, ou vês mal, ou ouves mal, agora na barriga tens a vida, a criação e a imaginação a bombar. Aproveita...