quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Este era o post em que eu vinha aqui falar de política…

… mas andando por estes dias a ler os Maias, vou constatando que o Sr. Eça já disse, há cerca de 100 anos, praticamente tudo o que tenho a dizer. Passo-lhe assim a palavra:


“É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm «imenso talento». A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, têm, à parte os disparates que fazem, um «talento de primeira ordem»! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de «robustíssimos talentos»! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supracómico: um país governado «com imenso talento», que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!

(…)

Esta política, este S. Bento, esta eloquência, estes bacharéis matam-me. Querem dizer agora aí que isto por fim não é pior que a Bulgária. Histórias! Nunca houve uma choldra assim no Universo!
- Choldra em que você chafurda! – observou o Ega, rindo.
O outro recuou com um grande gesto:
- Distingamos! Chafurdo por necessidade, como político: e troço por gosto, como artista!
Mas Ega, justamente, achava uma desgraça incomparável para o país – esse imoral desacordo entre a inteligência e o carácter. Assim ali estava o amigo Gonçalo, como homem de inteligência, considerando o Gouvarinho um imbecil…
- Uma cavalgadura – corrigiu o outro.
- Perfeitamente! E todavia, como político, você quer essa cavalgadura para ministro, e vai apoiá-la com votos e com discursos sempre que ela relinche ou escoucinhe.
Gonçalo correu lentamente a mão pela gaforinha, com a face franzida:
- É necessário, homem! Razões de disciplina e solidariedade partidária… Há compromissos. O Paço quer, gosta dele…
Espreitou em roda, murmurou, colado ao Ega:
- Há aí umas questões de sindicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique… Dinheiro, menino, dinheiro, o omnipotente dinheiro!
E como Ega se curvava, vencido, cheio só de respeito – o outro, faiscando todo de finura e cinismo, atirou-lhe uma palmada ao ombro:
- Meu caro, a política hoje é uma coisa muito diferente! Nós fizemos como vocês os literatos. Antigamente a literatura era a imaginação, a fantasia, o ideal… Hoje é a realidade, a experiência, o facto positivo, o documento. Pois cá a política em Portugal também se lançou na corrente realista. No tempo da Regeneração e dos Históricos, a política era o progresso, a viação, a liberdade, o palavrório… Nós mudamos tudo isso. Hoje é o factor positivo – o dinheiro, o dinheiro! O bago! A massa! A rica «massinha» da nossa alma, menino! O divino dinheiro!”