Foi talvez o LP mais rodado durante a minha adolescência (ainda em curso, claro). Por essa razão, tinha algum receio quanto ao seu estado de conservação. O vinil tem esta desvantagem, quanto mais se ouve mais se gasta e se não houver cuidados de manutenção – limpeza, lavagem, armazenamento – então os danos são mais que certos. Não foi, felizmente, o caso deste Born in the USA. Por fora, tanto a capa como a subcapa, com fotos de Annie Leibovitz, estão impecáveis. A bolacha, tirando alguns riscos superficiais e alguma batata frita, só audível no intervalo das faixas, está muito lá, rijinha e com tudo no sítio: a voz rouca do Boss, a guitarra do pirata Little Steven Van Zandt, o saxofone do colosso Clarence Clemons, a bateria de Max Weinberg – actualmente mais conhecido pela regência da banda que acompanha o Conan O´Brian – e ainda Garry Tallent, Roy Bittan e Danny Federici, respectivamente no baixo e teclas. Considero que foram estes senhores que me abriram as portas do rock, mostrando-me diversos caminhos em todas as direcções; à volta (Dire Straits, U2, The Smiths…), para a frente (Guns N’ Roses, Nirvana, Pearl Jam, Metallica, Dave Matthews Band…) e até mesmo para trás (Rolling Stones, Beatles, The Doors…). Foi também a porta de entrada para o resto da discografia de Bruce Springsteen que já ia, contando com este, no seu 7º álbum de estúdio, facto verdadeiramente notável. Um 7º álbum todo ele de singles, dos quais 7 chegaram ao top ten americano. Um marco incontornável na história da música. Estima-se que vendeu mais de 25 milhões de cópias em todo o mundo. Uma delas é minha desde 1985.
O brinquedo chegou hoje e é a coisa mai linda do mundo!!! E o melhor é que não é algo que em três tempos esteja a debitar decibéis. Não senhor, dá trabalho, dá luta! É preciso montar porque vem às peças, é preciso afinar com precisão e paciência de relojoeiro – nivelar, ajustar a correia do motor, o peso da agulha, o ângulo vertical – e depois sim, ligar os cabos e desfrutar. É giro isto do vinil, ou melhor “deste vinil”. Faz lembrar as motorizadas 50cc. Dá para inventar e brincar aos mecânicos. Este meu até já vinha kitado e tudo. A célula de origem deu logo lugar a outra mais xpto. Está impec e soa que é um luxo, apesar de lhe faltar a rodagem. E por falar em rodagem… Qual o LP que teria a honra de estrear o biju? Foi a dúvida que se colocou no final da montagem. Depois de passar em revista a colecção de vinis, decidi que inauguraria a nova era do vinil com o Master of Puppets, dos Metallica. Recebi este disco no meu 14º aniversário. Foi prenda da R. que me o ofereceu por sugestão do metaleiro do sobrinho. Na altura, o rock mais pesado que eu ouvia seria Bruce Springsteen, ou algo por aí. Lembro-me perfeitamente, quando tirei o disco do embrulho. A primeira reacção foi de espanto. Nunca tinha visto um Picture Disc. Já Metallica não me dizia nada. Prato a girar e passados uns segundos os primeiros acordes de Battery. A princípio agradou-me a introdução de guitarra mas aos primeiros reefs frenéticos a reacção ficou entre o medo e o trauma. Não estava preparado para aquilo. O disco recolheu à embalagem e ali esteve durante anos. Só após o lançamento de Metallica, o álbum preto, que em 1991 massificou o fenómeno Metallica (quer queiram, quer não) é que me lembrei que tinha, lá no meio dos vinis, nesta altura já encafuados dentro de um armário, algo desta banda. Quando redescobri este disco fiquei siderado. É, de todos os álbuns que tenho, aquele que está mais perto do conceito de jóia. Tenho-lhe uma estima imensa. E continua a soar que é uma maravilha apesar de precisar de uma limpeza a fundo, como todos os outros discos. Melhor que isto só ao vivo. Por falar nisso… falta uma semana! Hell Yeah!!!
Metallica - Master of Puppets (1986)
Lado A
Battery (5:10) Master Of Puppets (8:38) The Thing That Should Not Be 6:32 Welcome Home (Sanitarium) (6:28)
Foi dos primeiros álbuns de um só artista que fiz com que me comprassem, depois de anos a consumir colectâneas, tinha eu 11 anos. Foi também um dos mais tocados, apesar de nunca me ter considerado grande fã de Michael Jackson. Depois de Thriller, ainda vibrei com Bad mas já nessa altura as histórias das operações, do hipocondrismo, da megalomania, e mais tarde da pedofilia, levaram-me a ganhar uma especial aversão ao fenómeno. O talento e a obra reconheço-os como enormes. RIP Michael.
Não há volta a dar. Pensava que nutria pela FNAC uma espécie de ódio de estimação mas não, é só mesmo ódio. E isto porquê? Porque por um lado, detesto de um modo genérico multinacionais com tendências monopolistas, por outro, porque me fazem gastar um dinheirão do catano sempre que passo nas imediações de uma das suas lojas. Sim é verdade, coerência por estas bandas é algo tão provável como uma distribuição de preservativos no santuário de Fátima. Adiante. Hoje, quando dei por mim, já lá estava batido. Subsídio de férias na conta e o que é que um homem pensa? Bom, se é férias é para viajar e para nos fazer viajar nada melhor que um bom livro ou um bom disco. Deste pensamento até à loja da FNAC do Vasco da Gama são dois passos. Dois não, um, um e meio vá. Ora estou eu todo contentinho, de volta daqueles escaparates todos, a ver onde hei-de esturrar o dinheirinho que me saiu do lombo, já com dois CD a tiracolo, dá-se-me um flash conscienciazitório. (Ndr: escusam de ir procurar ao dicionário se conscienciazitório está bem escrito porque está e eu é que sei e não quero mais conversa) “Então Crama, tu não tens vergonha! Um pai de família, com uma filha por criar e a esturrar dinheiro em música dessa maneira!!!” E não é que o meu conscienciazitório tinha razão! Como é que eu podia agir de modo tão leviano!? Um pai com uma filha pequena tem que se preocupar com os gastos associados às suas necessidades básicas, à sua educação, ao seu crescimento enquanto pessoa e claro, tem que se preocupar com o seu enxoval. Vai daí, eu tenho que esturrar dinheiro em música sim, mas com critérios rigorosos. Eu tenho que comprar discos que sejam referências incontornáveis, que sejam marcos da civilização, discos que não sejam menos que património da humanidade. Discos que a Pirralha possa apresentar quando desembarcar em Marte: “Hi, my name is Domeupai, Pirralha Domeupai and i’m human. Back in Earth we humans did this.” (Ndr: como os filmes de ficção científica ensinam, todos os alienígenas incluindo os marcianos falam inglês) E ao terceiro CD metade do planeta já é dela, subjugados que estão todos os ditos alienígenas pela música made by terráqueos. Pois com esta nova orientação estratégica lá fui eu de novo à procura das tais referências incontornáveis.
Ora dizia eu, ali para cima, que ouvir música é viajar. Viajemos então até à cidade de Hamburgo e recuemos a 21 de Junho de 1987. Neste dia, Vladimir Horowitz, um dos grandes pianistas do século XX, dava o seu último recital público, constituído por peças de compositores que foram os seus preferidos nos últimos anos da sua carreira: Schubert, Schumann, Chopin, Liszt e Mozart (paixão mais recente). (Ndr: Lá porque estou a escrever aqui estas coisas culturais e assim, escusam de pensar que eu sou um gajo inteligente, intelectual e essas merdas, que não sou, estou só a traduzir o que vem no disco) Continuando, felizmente, como também diz no disco, estavam lá no recital uns microfones ligados a umas maquinetas da Deutsche Grammophon, que registaram tudo e que permitiram criar mais um artigo do enxoval da pirralha. Fica um excerto em vídeo de uma das peças constantes do disco, não da actuação que mencionei, da qual não encontrei nenhum clip decente, mas sim de uma actuação em Viena, no mesmo ano.
A outra viagem tem um destino mais difuso, pois abarca um período considerável da carreira de um corredor de fundo da música contemporânea e dos seus companheiros de coboiadas. Tratam-se de 16 músicas, que percorrem 13 anos e 10 álbuns, condensadas num só disco, um best of. A ideia era comprar, se não todos os álbuns, pelo menos os indiscutíveis como Boatman’s Call ou Murder Ballads, o problema é que mesmo estes são muitos e isto também não é para matar. Falo, como já perceberam, de Nick Cave e são dele algumas das histórias que hei-de contar à pirralha, nos próximos tempos.
* - Para comemorar os meus 20 anos de motociclista foi reeditado o mítico álbum Ten, um dos meus preferidos de todos os tempos. Há quem diga que teve a ver com os 20 anos dos Pearl Jam mas isso é puro mito urbano.
Há músicas que são para mim especiais, por encerrarem dentro delas uma história, como se fossem um livro. Há músicas que, para mim, têm caras, cheiros e paisagens. Há outras que caracterizam as vivências de toda uma época. Houve músicas que, por si só, desencadearam uma série de acontecimentos marcantes, e com isso ajudaram a moldar aquilo que sou hoje. Escutar essas músicas é como viajar numa máquina do tempo, como ouvir contar a minha própria história, ou como ler o meu diário, se alguma vez tivesse escrito um. Neste post tem início uma série dedicada às “minhas” músicas. Começo, não pelo princípio, mas exactamente pelo fim, por uma das últimas músicas que se tornaram minhas. Faz hoje exactamente um ano que ouvi a Regina Spektor pela primeira vez. Cantava a Fidelity, numa actuação ao vivo no Late Night with Conan O’Brian, registada num clipe do Youtube. Este ali em baixo. Pode-se dizer que foi amor aos primeiros acordes. De tal forma gostei da miúda que passados seis meses estava a mil e setecentos quilómetros de casa, mas a dois metros dela, a ouvi-la cantar num dos melhores concertos a que já assisti. Esta música recorda-me como descobri a blogosfera, fachada de palavras, sons e imagens atrás dos quais se “escondem” pessoas com ânsia de comunicar, com outros, ou por vezes com elas próprias. Esta música faz-me lembrar do Nuno Markl, senhor que ouço há muito tempo, e que me “apresentou” à Regina através do Há Vida Em Markl. Faz-me lembrar também do primeiro blog que li de fio a pavio, e da estranha sensação gerada, como se conhecesse a respectiva blogger há anos, apesar de apenas ter lido, em meia dúzia de dias, ano e meio de “postagens”. Faz-me lembrar de uma excelente semana passada a dois, em Paris; de ter perdido, logo à chegada ao aeroporto, os bilhetes do espectáculo, as passagens de avião para o regresso, bem como a anotação com a morada de casa do Quim e as indicações para lá chegar; de estar uma hora e meia em pé, ao vento e à chuva, para ser dos primeiros a entrar no Le Trabendo; do Jason e do Jack, que fizeram a abertura do concerto da Regina, e com quem estive a conversar um pouco no final da noite; do Olivier, com quem fui no comboio a trocar impressões sobre música, em francinglespanholês por assim dizer. Para além disto, ouvir a Fidelity faz-me pensar no conceito de amizade e nas várias formas em que esta se gera, se expressa e se assume. Faz-me pensar que um abraço se pode dar de muitas formas e não só com os braços. Um abraço pode ser dado com uma palavra, ou até com uma música.