Pretensiosismos à parte, não me considero um gajo esquisito, nem acho que tenha grandes pancas. É claro que toda a gente que me conhece, com a Mrs. Crama à cabeça, não concorda com esta afirmação, mas isso é porque tenho a tendência para conhecer pessoas que têem esse péssimo hábito de discordar de mim.
Verifica-se no entanto que, de há uns tempos a esta parte, desenvolvi um gosto requintado, quiçá ecléctico. Algo para o qual me posso declarar um tipo “esquifoso”. Para que conste, gosto de ser atropelado. É verdade. Acho uma piada do catano sentir o fresquinho da chapa e da fibra de vidro no lombo. Mas não é atropelado da forma tradicional: gajo a atravessar uma qualquer rua, ou estrada, viatura em velocidade excessiva, travagem falhada e tungas, o mesmo gajo agora estatelado com fracturas múltiplas e a sujar o alcatrão de sangue. Não. Isso não é para mim. Até porque este tipo de atropelamento, chamemos-lhe convencional, para além de já ter muitos adeptos, faltando-lhe portanto originalidade, normalmente é coisa para aleijar, e ir parar ao hospital, ou a sítios piores, e eu assim não me dá muito jeito. Não senhora. Vai daí, e fruto de alguma experiência, fui apurando as minhas preferências nesta área, pelo que estou neste momento em condições de parametrizar aquele que é o meu atropelamento preferido. Para ser atropelado como deve de ser, têm de se verificar quatro condições:
1ª - O carro tem de me atropelar de marcha-atrás.
De marcha-atrás porque esta mudança tem uma grande desmultiplicação o que faz com que os carros andem mais devagar. Assim, é mais fácil evitar aquelas cenas das fracturas e do sangue. É como acontecia quando jogava ao “baliza à baliza”: Atropelamentos mas não vale bajardas. (É mesmo bajardas que se escreve apesar do corrector dizer que não existe esta palavra e querer substitui-la por bojardas. Ndr: tenho de arranjar um corrector com idioma praceteiro).
2ª - O carro deve ser um sedan.
Esta fui apurando ao longo do tempo. Depois de experimentar hatchcbacks, Opeis Corsa e coisas do género, cheguei à conclusão que o terceiro volume é fundamental. É que o sucesso do atropelamento, leia-se a capacidade de sair mais ou menos ileso, passa essencialmente pela facilidade com que se consegue “aderir” ao carro, ganhando a velocidade deste e evitando assim ser derrubado para o chão e passado a ferro, ou melhor, passado a pneu. Neste aspecto, os carros sem mala tornam-se complicados porque simplesmente não há sítio para agarrar, nem para nos apoiarmos. Imaginem fazer uma pega de caras a um touro desprovido de cornos. É mais ou menos a mesma coisa, aliás, nem sei como é que os touros ainda não se lembraram de ir para as touradas sem cornos. Se por um lado ficava mais difícil pôr bandarilheiros a falar fininho, por outro, a aviar forcados, ia ser às paletes. Voltando aos atropelamentos, a mala é fundamental. Existindo mala, a única dificuldade que resta é virarmo-nos de frente para o carro, assim que levamos o toque, saltar para cima dela, abrir os braços de modo a alcançar as laterais do carro, bater com a cabeça no vidro traseiro, se possível repetidamente, para que o condutor se aperceba da nossa presença e assim dê como concluído o atropelanço. Parece complicado, mas não é. Como disse atrás, fruto da experiência, posso afirmar que o Volvo S40 é um carro perfeito para se ser atropelado. Tentem é evitar os que tenham aleiron porque parecendo que não, dificulta.
3ª - O carro deve ser conduzido por uma mulher.
Esta é mesmo só por espírito de contradição. É que já ando farto de ouvir dizer que as mulheres são melhores condutoras… blá, blá, blá… mais cumpridoras… blá, blá, blá… mais atenciosas… blá, blá, blá… seguros mais baratos… blá, blá, blá… quando se sabe que isto não passa de um mito urbano. Assim, sempre que sou atropelado, é menos uma que se pode gabar de conduzir melhor que todos os homens. “Filha, atropelaste um gajo de marcha-atrás! How dumb can you be?”
4ª - A mulher, a tal que vai a conduzir, tem de ser antipática e mal-educada.
É que se não for, pode ser que ela saia do carro, peça desculpa, queira-nos levar ao hospital, ou pagar um chazinho, e isso faz perder muito tempo. Como normalmente sou atropelado quando vou para o trabalho, ou quando regresso a casa, não dá muito jeito a conversa fiada, porque isso só me iria fazer perder o comboio. Assim, as melhores atropeladoras são aquelas que depois de nos albarroarem, e quando ainda estamos com a cara colada ao vidro traseiro, se voltam com o sobrolho franzido: “Oh parvalhão, não te importas de sair de cima do meu carro, palhaço!”. Basta desmontar da viatura da senhora, que ela arranca logo em grande velocidade, e cada um vai à sua vidinha. É uma limpeza.
Agora já sabem. Se conhecerem alguma mulher, antipática, mal-educada, que tenha um sedan e faça marcha-atrás sem olhar pelos espelhos retrovisores, por favor dêem-lhe o meu contacto. Agora ganhei-lhe o gosto e não quero outra coisa.
4 comentários:
andas a saca de indemnizações crama?! olha que se não andas, era uma bela ideia :D
o meu carro não tem rabo, por isso, não há com que me preocupar..:)
rita
Indeminizações!? Nem um "desculpe lá qualquer coisinha", quanto mais!
Para além do carrinho sem rabo, também falhas na 4ª condição. :)
Ontem tive falta e já vi/li o quanto perdi.
Cada vez que aqui passo ou fico invejosa ou rio até às lágrimas - hoje foi o caso.
Só por coisas...não tenho um sedan, mas para ter o prazer de me divertir tanto com a crónica até nem me importaria de ter (retirando claro, a parte da simpatia).
SA
Pois SA, sem sedan e com simpatia nada feito.
Enfim... esquisitices.
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