terça-feira, 28 de outubro de 2008

A República dos Corvos, de José Cardoso Pires


São Vicente, para ser São Vicente e entrar na História como entrou, teve necessidade de dois corvos para o acompanhar que, por sinal, lhe foram sempre fiéis até hoje. Ora, duma ave como esta, tão convivente e tão enigmática, conta-se muita coisa. A própria Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, depois de muitos rodeios, afirma que o corvo é velhaco e ladrão, e isto, bem entendido, com a devida consideração pela agudeza e pela independência no trato que toda a gente lhe reconhece.
«Caguei para a Enciclopédia», diz o Corvo. E para comprovar alça a cauda e, zás, despede um esguicho de caca esbranquiçada. Caca esbranquiçada numa criatura tão negra é que ninguém esperava.
O corvo em questão chama-se Vicente. Puseram-lhe um nome de santo, que mais quer ele, mas nem assim se mostra lá muito reconhecido. Pertence a uma das últimas tascas de Lisboa, daquelas que antigamente, além do vinho, vendiam também carvão, pitrol e molhinhos de carqueja, mas isso foi há muitos anos, na idade do fogareiro e do candeeiro de chaminé, e nessa altura ainda ele não era nascido. Ou talvez fosse, com os corvos nunca se sabe. Há quem afirme que chegam a durar eternidades.

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