Antes de começar, vamos deixar uma coisa clara: eu não era fã de Dave Matthews Band. Ouvia algumas das suas músicas de tempos a tempos, gostava, até bastante, mas não me podia dizer fã. E continuo a não ser. O Dave continua a não ser meu ídolo. Aconteceu no entanto ter dado um salto por cima desta condição e estar neste momento equiparado sensivelmente a um semi-deus. E o engraçado é que eu estive quase para não ir a este concerto, por falta de companhia. Uns desertaram para a Alemanha, outros tinham compromissos inadiáveis, outros ainda, pura e simplesmente baldaram-se. Havia no entanto algo que me impelia a ir, mesmo sozinho. Uma vozinha cá dentro que me dizia: “Compra a porra do bilhetinho e vai que não te arrependerás!”. E fui, sozinho, mas fui. Podia ter arrastado duas pessoas comigo, mas nem isso. Por uma regozijo-me, pois com apenas três anos, não teria aguentado, pela outra penitencio-me, pois do fundo da minha ignorância disse-lhe: “Ah e tal! Se calhar não vais gostar muito e para estar a gastar dinheiro, não apreciando, não vale a pena”. E ela não foi. Burro, estúpido, camelo,…
Mas vamos ao concerto. 19:45 e lá estava eu a entrar no escaravelho. O recinto estaria apenas cerca de 20% completo. Pensei: “Mau…”.
Dada a pouca assistência, fui-me abeirando do palco. A cerca de 8 metros estaquei. Mais ou menos a meio. Ligeiramente para a esquerda, como o coração.
Às 20:00 em ponto, Mr. Dave himself aparece timidamente em palco. O pavilhão continuava desoladamente descomposto, mesmo assim, fez-se a primeira ovação da noite. Mas o Dave estava ali apenas para apresentar o Tom Morello. Que senhor, o Dave! Bastou esta atitude, conjugada com a simpatia e a humildade do gesto, para ficar logo claro o quão porreiraço deve ser. E ainda por cima pontual.
Ex-guitarrista dos Rage Against the Machine e Audioslave, o Tom foi um one-man show. Munido apenas de uma guitarra acústica, e por vezes de harmónica, deu bastante bem conta de si, apesar de alguma indiferença do público. Por acaso gostava de saber qual é a parte disfuncional do cérebro das pessoas, que as faz encarar a actuação dos artistas responsáveis pelas aberturas de espectáculos de bandas consagradas, como um castigo que têm de penar antes de ver as suas estrelas. Será que não dá para os encarar - e apoiar - como um género de bónus que podem desfrutar, pelo mesmo dinheiro que pagaram pelo main event? Adiante. Bastante comunicativo, balbuciou algumas frases em português com a ajuda de uma cábula. Criticou Bush, a guerra no Iraque e no Afeganistão e dedicou uma música aos trabalhadores de Lisboa. Outro porreiraço portanto. Esteve meia hora em palco. Suficiente para me despertar a curiosidade para o conhecer melhor.
Aos poucos o pavilhão lá se foi enchendo. Na zona onde me encontrava, as pessoas comprimiam-se agora umas contra as outras, na ânsia de não cederem lugares entre si e o palco, aos energúmenos que teimavam em querer arranjar os melhores lugares apesar de terem chegado atrasados. Por volta das 21:00, já um pouco impaciente face a algumas passagens à má fila, ouço atrás de mim: “Excuse me!”. Volto-me para trás e esbarro com um peito masculino. Olho para cima, e entre a minha cabeça e o tecto do pavilhão, mas muito perto deste, vejo uma cabeça de um inglês, com sensivelmente três metros e oitenta de altura (acho até que seriam quatro metros). Digo-lhe com os olhos: “No fucking way!”. Ele pareceu ter percebido, tendo-se definido então o meu mapa cor-de-rosa. Atrás a Inglaterra (com o gigante como guarda-costas), à frente o protectorado de Cascais (um casal de pitinhos, baixinhos como convém), à esquerda a Escandinávia (acho que eram três noruegueses), à direita, um país incerto, apesar de lusófono, mas com excelentes relações comerciais com Marrocos. Pensei: “Fixe, venha o David!”. E veio. Com a sua banda. Eram 21:15. A partir daqui, e com os primeiros acordes, o relógio parou. O tempo ficou suspenso, e aqueles que embarcaram naquela nave fizeram uma viagem que nunca mais esquecerão.
O impacto à descolagem deixou logo claro que aquela não iria ser uma viagem calma e tranquila. Rapidamente se ganhou altitude, tendo-se entrando então em trajectória parabólica que deixou a todos sob gravidade zero, suspensos em música de alta qualidade e com um som muito, muito decente (isto é um elogio). Só havia um problema: fruto da “compressão” pré-actuação, toda aquela plateia em frente ao palco estava impedida de exteriorizar os impulsos que estava a receber em catadupa. Felizmente, aos poucos, os espaços foram-se ajustando, pelo menos onde eu estava, e lá para a quarta música já se podia converter em exteriorizações os impulsos recebidos na tal catadupa. Entretanto fez-se luz sobre algo que me intrigava há já bastante tempo. Muitas vezes acontecia ler apaixonadas descrições sobre DMB, principalmente sobre as suas actuações ao vivo, e não compreender a razão de tal euforia. Ouvia os seus principais sucessos e pensava: “Sim, é porreiro. Muito porreiro mesmo, mas também não é razão para tanto exagero.” Puro engano. Uma actuação de DMB, pelo menos como a que eu estava a presenciar, não se capta em CD, nem em vinil, nem em DVD, nem em nada. Pelo menos até serem inventadas colunas com desfibriladores incorporados. Não acreditam? Façam o seguinte teste. Ponha este soundclip a tocar.
Acha que é DMB? Engano seu. O que você está a “ver” é uma fotografia (neste caso reles) de DMB.
Faça agora outra experiência. Arranje uma extensão eléctrica de modo a disponibilizar uma tomada junto ao local onde está o PC onde lê estas linhas. Ponha o soundclip novamente a tocar. Agora coloque um dedo em cada um dos orifícios da tomada. Já está? Então neste momento, você, enquanto estrebucha, está a ter uma aproximação do que é assistir a um concerto de DMB. Não acredita? Eu também não acreditaria se não tivesse lá estado hoje. A música de DMB, ao vivo, não se ouve, sente-se. Podia ter assistido a este concerto com as orelhas barradas a chumbo, e mesmo assim não falharia um pormenor. Eu não ouvi. Eu fui perfurado. Eu, e os milhares que encheram o Pavilhão Atlântico e que agora formavam um autêntico espelho reflector que devolvia ao palco e aos músicos a energia que estes emanavam. Cada canção foi ovacionada efusivamente até ao ponto de o Dave ter de admitir: “You are the livest audience we’ve ever saw!”. Já antes tinha pedido desculpas por terem demorado tanto tempo a visitar-nos. Depois prometeu que o regresso seria para breve, o que me descansou um pouco, pois por esta altura já eu tinha jurado a mim mesmo voltar a vê-los, nem que fosse na Nova Zelândia.
Entretanto as músicas sucediam-se e o início de cada uma era como uma gigantesca onda que, sendo impossível de transpor por cima, nos obriga a mergulhar para não sermos arrastados e esmagados contra o chão. Uma após outra, até o fôlego começar a faltar para pular e dançar. Para aplaudir guardou-se sempre uma réstia de energia.
À primeira saída dos músicos, um dos ingleses “vizinhos” virou-se para o gigantão e sentenciou, com ar de entendido: “Two more songs”. Coitado! A mania que os ingleses têm de subestimar os portugas! Perante uma ovação estrondosa Dave e os músicos regressaram e tocaram três músicas, nesse encore. Mas houve mais outro encore! Ah! Pois foi! No total foram três horas (sim leram bem, três horas) de espectáculo. Es-pec-tá-cu-lo. Aqui a palavra é para ser lida no seu sentido literal. No final o tal inglês, visivelmente estourado, dizia para o grandalhão: “Fucking awesome! Unbelievable.” Aproveitando a deixa, e em jeito de tréguas, meti conversa.
- Is this your first DMB gig?
- No, tenth.
- What!?
- It´s the tenth time I see Dave.
- Tenth? You lucky bastard!
- Not even close. Two hours at the most. This was truly unbelievable!
Pois, a mim também me pareceu.
Dave Matthews - voz, guitarra
Carter Beauford - bateria
Stefan Lessard - viola baixo
LeRoi Moore - saxofone
Boyd Tinsley - violino
Butch Taylor - teclas
Rashawn Ross - trompete
Tom Morello - guitarra
Set list:
Everyday *
Dream Girl *
Crash Into Me *
Hunger For The Great Light *
Louisiana Bayou *
When The World Ends *
Grey Street *
The Idea Of You *
So Much To Say *
Anyone Seen The Bridge *
Too Much *
Sister +
Lie In Our Graves *
#41 *~
American Baby Intro *~
Two Step *
Ants Marching *
__________________
Gravedigger +
Jimi Thing *
Stay (Wasting Time) *
__________________
Don’t Drink the Water *
Pantala Naga Pampa *
Rapunzel *
Show Notes:
* Rashawn Ross
+ Dave Solo
~ Tom Morello
indicates a segue into next song
7 comentários:
parabens pelo relato fiel.
com as devidas desculpas antecipadas, copiei a set list do teu blog. é por uma boa causa. como podes comprovar, identifiquei a fonte. http://trapezista.blogspot.com/
Abraço.
e já agora, o teclista chama-se Butch Taylor
Caro NSU, bem vindo à Praceta.
Obrigado pela informação e pelo elogio.
Quanto à set list: mi casa es su casa!
Ola não admira que tenhas sido contagiado pela magia de DMB, se eu já era um apaixonado agora sou louco, o teu relado sobre o concerto é perfeito e fico contente por seres mais um infectado pelo virus da magia... é uma prova que ela acontece mesmo. joel cartaxo www.freedrummer.moonfruit.com
Ola não admira que tenhas sido contagiado pela magia de DMB, se eu já era um apaixonado agora sou louco, o teu relado sobre o concerto é perfeito e fico contente por seres mais um infectado pelo virus da magia... é uma prova que ela acontece mesmo. joel cartaxo www.freedrummer.moonfruit.com
Olá Joel, bem vindo à Praceta e obrigado pelo comentário.
Magia... foi de facto o que aconteceu!
tive lá nessa noite tb, devia de tar umas 6 filas a tras de ti ou assim e foi dos melhores concertos de sempre em portugal... de certeza... só tive pena do som n tar perfeito...
mas nunca fui ver um concerto em k houvesse tanta energia a despoletar do publico... foi animal mesmo
axo k descreveste quase perfeitamente o k se passou nakela noite, eu n teria dito melhor nunca
parabens
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