segunda-feira, 30 de abril de 2007

Os impontuais

O dia começou com uma acção de formação. Na agenda: Parque das Nações – 09:30. 9:25, entro na sala da dita. Lá dentro um dos formadores. Penso: “50%. Nada mau.” Sento-me a ler o jornal. Até às 09:30 chega só mais um colega. Deviam lá estar 14 e 2 formadores. A pouco e pouco, e num período que se estende por quase meia hora, chega o restante quorum.
Mais uma vez confirmo que a falta de pontualidade é hoje, mais do que uma moda, uma arte. Forma de identificação e afirmação, popular e urbana. Gente que é gente, chega atrasada. E isto aplica-se tanto ao electricista que vem reparar a avaria, como ao engenheiro que marcou a reunião de obra… Alguém disse médicos?
Com a democratização da arte de chegar atrasado, veio também a massificação. Se antigamente a falta de pontualidade era um luxo aristocrático, utilizado segundo código deontológico para assegurar a diferenciação das classes, hoje em dia, qualquer borra-botas se dá ao direito de pregar secas ao parceiro. Por parceiro leia-se: otários démodés como eu.
Para combater a descaracterização e a falta de charme decorrente da popularização do atraso, surgiram várias escolas, cada qual com os seus conceitos estéticos aplicáveis à impontualidade e sua respectiva justificação. Hoje, enquanto esperava pelos restantes colegas de formação, tive oportunidade de identificar impontuais representantes de algumas dessas escolas. A saber:
O naturalista
Chegar atrasado tornou-se um acto tão natural que não necessita ser justificado. Para ele, 15 minutos nem são considerados atraso. Chega e senta-se em silêncio.
O minimalista
Muito semelhante ao caso anterior, divergindo apenas numa curta frase que profere secamente enquanto se senta: “Peço desculpa pelo atraso”.
O naïf
Reconhece-se pela falta de consistência da desculpa para o atraso. Quando chega anuncia: “Desculpem lá, mas o trânsito estava impossível”. Passados 15 minutos, em conversa de encher chouriços a que se recorre para passar o tempo enquanto se espera por outros ainda mais atrasados, descai-se: “Epá, isto hoje com a ponte estava impecável. Demorei 10 minutos de casa até aqui”.
O plagiador
Não tem originalidade na falta de pontualidade, pelo que requer sempre alguma obra que lhe sirva de modelo: “Eu até costumo ser pontual, mas hoje vim de boleia com ele, e este gajo é sempre a mesma coisa”.
O realista
Escarrapacha-nos com a realidade em todo o seu esplendor: “Estava tão bem na cama”.
O impressionista
Para este, o retrato fiel da realidade não interessa, e na desculpa não se devem utilizar contornos definidos: “Epá vocês nem sabem o que me aconteceu!”. Depois de estar toda a gente a olhar para ele com cara de “vá, conta lá”, remata: “Bom agora também não interessa, vamos lá começar com isto, que já estamos atrasados”.
O surrealista
Reinventa uma realidade, muitas vezes satírica, através da desconstrução dos conceitos: “Se por causa dos atrasos, a formação começou mais tarde, proponho que acabe mais cedo”.
E agora tenho de ir que já estou atrasado.

6 comentários:

Ana disse...

Gostei dos sub-géneros, mas acho que todos eles são uma e única coisa (pronto, duas): desleixados e malcriados. E penso que hoje em dia já não é sinónimo de aristocracia e só revela o porquê de os portugueses serem dos povos menos produtivos da Europa...

Crama disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Crama disse...

Oh Ana! Já vi que também és démodé. Deixa lá, também temos a nossa corrente. Somos os pirosos do kitch.

rita maria josefina disse...

eu tb sou um bocado démodé... what to do?

Crama disse...

"...what to do?"
Podemos formar uma associação... Não! Melhor ainda... Um grupo terrorista... Isso é que era!

rita maria josefina disse...

com direito a sindicato e tudo. uns outdoors em pleno marquês, era a p... da loucura..!