O dia começou com uma acção de formação. Na agenda: Parque das Nações – 09:30. 9:25, entro na sala da dita. Lá dentro um dos formadores. Penso: “50%. Nada mau.” Sento-me a ler o jornal. Até às 09:30 chega só mais um colega. Deviam lá estar 14 e 2 formadores. A pouco e pouco, e num período que se estende por quase meia hora, chega o restante quorum.
Mais uma vez confirmo que a falta de pontualidade é hoje, mais do que uma moda, uma arte. Forma de identificação e afirmação, popular e urbana. Gente que é gente, chega atrasada. E isto aplica-se tanto ao electricista que vem reparar a avaria, como ao engenheiro que marcou a reunião de obra… Alguém disse médicos?
Com a democratização da arte de chegar atrasado, veio também a massificação. Se antigamente a falta de pontualidade era um luxo aristocrático, utilizado segundo código deontológico para assegurar a diferenciação das classes, hoje em dia, qualquer borra-botas se dá ao direito de pregar secas ao parceiro. Por parceiro leia-se: otários démodés como eu.
Para combater a descaracterização e a falta de charme decorrente da popularização do atraso, surgiram várias escolas, cada qual com os seus conceitos estéticos aplicáveis à impontualidade e sua respectiva justificação. Hoje, enquanto esperava pelos restantes colegas de formação, tive oportunidade de identificar impontuais representantes de algumas dessas escolas. A saber:
O naturalista
Chegar atrasado tornou-se um acto tão natural que não necessita ser justificado. Para ele, 15 minutos nem são considerados atraso. Chega e senta-se em silêncio.
O minimalista
Muito semelhante ao caso anterior, divergindo apenas numa curta frase que profere secamente enquanto se senta: “Peço desculpa pelo atraso”.
O naïf
Reconhece-se pela falta de consistência da desculpa para o atraso. Quando chega anuncia: “Desculpem lá, mas o trânsito estava impossível”. Passados 15 minutos, em conversa de encher chouriços a que se recorre para passar o tempo enquanto se espera por outros ainda mais atrasados, descai-se: “Epá, isto hoje com a ponte estava impecável. Demorei 10 minutos de casa até aqui”.
O plagiador
Não tem originalidade na falta de pontualidade, pelo que requer sempre alguma obra que lhe sirva de modelo: “Eu até costumo ser pontual, mas hoje vim de boleia com ele, e este gajo é sempre a mesma coisa”.
O realista
Escarrapacha-nos com a realidade em todo o seu esplendor: “Estava tão bem na cama”.
O impressionista
Para este, o retrato fiel da realidade não interessa, e na desculpa não se devem utilizar contornos definidos: “Epá vocês nem sabem o que me aconteceu!”. Depois de estar toda a gente a olhar para ele com cara de “vá, conta lá”, remata: “Bom agora também não interessa, vamos lá começar com isto, que já estamos atrasados”.
O surrealista
Reinventa uma realidade, muitas vezes satírica, através da desconstrução dos conceitos: “Se por causa dos atrasos, a formação começou mais tarde, proponho que acabe mais cedo”.
E agora tenho de ir que já estou atrasado.
segunda-feira, 30 de abril de 2007
Os impontuais
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6 comentários:
Gostei dos sub-géneros, mas acho que todos eles são uma e única coisa (pronto, duas): desleixados e malcriados. E penso que hoje em dia já não é sinónimo de aristocracia e só revela o porquê de os portugueses serem dos povos menos produtivos da Europa...
Oh Ana! Já vi que também és démodé. Deixa lá, também temos a nossa corrente. Somos os pirosos do kitch.
eu tb sou um bocado démodé... what to do?
"...what to do?"
Podemos formar uma associação... Não! Melhor ainda... Um grupo terrorista... Isso é que era!
com direito a sindicato e tudo. uns outdoors em pleno marquês, era a p... da loucura..!
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